sábado, 15 de junho de 2019

À César o que é de César e a Rhuan o que é de Rhuan


              Há umas três semanas me foi, terapeuticamente, dada a tarefa de retomar os escritos por aqui. Os planos vão de vento em popa. A efetivação é que ficou travada e retomo hoje, a exteriorizar aquilo que retenho sobre diversas causas. E isso, também acabou se tornando uma dificuldade, haja vista, a grandeza de coisas que me afligem e que tenho retido, principalmente pela velocidade com que acontecem. É como se, em cada turno, pelo menos um 7x1 diferente tivesse que ser processado (embora eu confesse, ter me divertido com aquilo)  que mal dá tempo de processar e já aparece outro.

Essa semana me chamou bastante atenção o terrível caso do gatoro Rhuan Maicon, brutalmente assassinado, esquartejado e queimado na tentativa de ocultação de cadáver. Me assustaria muito mais se as pessoas achassem normal. Com todo respeito póstumo a Rhuan e aos familiares que se importavam com ele, as pessoas passariam a achar normal tal atrocidade se Rhuan fosse um pouco mais velho e tivesse se tornado criminoso, mesmo que de delitos parcos. Muitos achariam normal, como tantas vezes já vi, observarem "vingadores" fazerem atrocidades e uma multidão dar likes e comentar que mereceu. Nunca, jamais, ninguém merece tal tratamento, mas muita gente acredita que alguns, devido à alguns de seus comportamentos, merecem e é bem pouco.

Contudo, o caso a comentar dessa terrível tragédia não é a hipocrisia e comoção seletiva das pessoas, mas as manifestações de vozes que buscaram justificativas grotescas para que o caso não tomasse, como febre, as páginas de jornais, as hashtags com o nome de Rhuan, ou que seu rosto estivesse estampado em todos os perfis! "Afinal, fizeram isso quando um cachorro foi assassinado" foi o que vi por muitos cantos... 

E claro, algumas pessoas não podiam perder a oportunidade de usar o trágico fato para depreciar o Todo em face do Particular. Vamos primeiro ao particular: Rhuan assassinado no dia 31 de maio por sua mãe que teve como cúmplice nos crimes, sua companheira e à crueldade criminosa das duas acrescenta-se ainda, denúncias sobre tortura e mutilação da criança em anos anteriores ao fatal crime. O caso foi tratado de modo simplista quanto a motivação: Rhuan não estampou as manchetes e não tomou as redes sociais por ser mais um caso de evidência da "esquerda" (o universal) ser protegida! De proteger-se a população LGBTT pois as "mães" do garoto, homossexuais, não deveriam ser expostas para proteger "as pautas da esquerda". A pequenez do raciocínio me deixou tão estarrecida quanto a crueldade das duas mulheres.
Imaginem as sinapses se fazendo na cabeça dos que assim argumentaram... "mãe sapatão, odeia hômi, ah é feminista, cortou o pipiu do menino e matou ele porque são feminista, de esquerda e porque o mundo é de esquerda a mídia não vai falar disso pra proteger a esquerda". Pior é que se dá pra chamar isso de raciocínio, tanta gente achou de falar do caso do Rhuan, dar a visibilidade que a "mídia esquerdizada" não deu, reprodizindo esse raciocínio! 

Não vi comentários acerca da pouca veiculação das reportagens que buscavam motivações para o crime irem além de reprodução do preconceito contra a esquerda e contra homossexuais, como se todos povos do mundo, de esquerda e também homossexuais, fossem capazes de um crime assim ou o aceitasse e aceitassem que duas mulheres que fazem isso, merecem redenção por serem homossexuais. E claro, a reprodução desse preconceito odioso, não é nem de longe tão dolorido, não abre em mim uma chaga tão grande quanto pensar num garotinho ser tão maltratado assim por duas pessoas inescrupulosas, fanáticas em seus delírios (Particular) e que não representam o Todo! 

Quando soube do caso Rhuan, busquei ler sobre o assunto e me deparei com uma coisa tão assustadora como a morte do garoto, que foi a data do fato e que mais de uma semana depois é que tomei conhecimento. Me perguntando o motivo, meu raciocínio, talvez não correto, e talvez alguns ao lerem se questionarão se de fato é um raciocínio, levou-me, imediatamente, ao que no dia seguinte ao assassinato de Rhuan vi em tudo quanto é meio de comunicação: a acusação de estupro que pesava sobre o jogador de futebol Neymar. E via piadinhas, fotos vazadas, frases sem nexo e pessoas rindo disso... E via julgamentos, advogados de defesa e de acusação... e pessoas rindo disso! E pessoas e mais pessoas envolvidas no caso de uma "grande estrela" sendo acusada de um crime e o reboliço que tudo isso causou... e via esse assunto tomando tudo que é espaço, real ou virtual... e mais julgamentos, mais culpabilização da mulher, mais propagação de machismo patriarcal, mais pessoas acusando a suposta vítima e mais pessoas defendendo o suposto agressor, Neymar. Às vezes até imaginava que as pessoas, gigantesca maioria em defesa do jogador, estavam lá, junto com ele e a garota no quarto, tanto que partido tomavam em afirmar que ela estava com as intenções piores... e nas semanas seguintes, o que tomou os jornais e as redes sociais girava em torno desse assunto, uns agradeceram a ele, pois assim, o governo Bolsonaro ficou escamoteado, até pelo menos, o vazamento das informações jornalísticas do Intercept nesse último final de semana.

Daí podem pensar comigo... se aqui, onde eu queria tratar do caso Rhuan, uma criança pobre, vítima de maus tratos, tortura, assassinato e vilipendiação de cadáver, pelo menos outras três figuras públicas apareceram imaginem nas proporções daqueles tarados por redes sociais e notícias bombásticas... imaginem pessoas que gostam de vazar tudo que é intimidade de celebridade, de comentar, de participar da vida de tais pessoas por mais medíocre que isso seja? Gente, o povo vazou foto do Cristiano Araujo nu, morto no necrotério! O povo vazou foto do cadáver do Gabriel Diniz! o povo vaza foto de tudo que é notícia de celebridades e concorrer com isso, mídia nenhuma é capaz! E mais uma vez, nomes de "celebridades" tomam essas páginas em detrimento do nome de Rhuan! E assim caminharemos. Pra quem tem tara sobre a vida alheia, um garoto ser assassiando e esquartejado é muito menos notícia e muito menos digno de voz do que um jogador de futebol famoso, rico acusado de estupro! E isso se deve não à esquerda escamotear o fato por conta da orientação sexual da mãe, mas sim, à propensão que temos em tomar partido de quem é grande e dá visibilidade e likes!

O cachorro do Carrefour virou nóticia porque não houve nenhum fato medíocre ou bombástico invadindo o espaço... não houve especulação sobre a vida de algúem rico, importante, só o básico e corriqueiro... aí um passarinho  de qualquer artista que fosse atropelado viraria notícia e alguém produziria a comoção em massa. Alguém sugeriria a hashtag, "alguéns" tantos outros seguiriam a onda pra ficar famosinho... e convenhamos, infelizmente uma hashtag "alguma coisa neymar" faz infinitamente mais sucesso que uma  #rhuanvive. 


Ps. Lendo notícias acerca do processo, o delegado que investiga o caso comentou forte influência de fanatismo religioso na mãe. Ah de religião Cristã, inclusive! vão dizer que é um ataque à fé ou entender que nem todo mundo é um fanático religioso que distorce o que dizem as escrituras?



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