domingo, 23 de junho de 2019

A língua é o bacalhau da boca

Quando criança ouvia muito minha avó materna dizer que a "língua era o bacalhau da boca" e sempre que ela dizia isso, contava alguma coisa que me fazia entender que o que ela estava dizendo era que o que estragrava muita gente eram as palavras ferinas e o quão hipócritas as pessoas podiam ser. Se vovó estivesse por aqui ainda, hoje ela talvez tivesse que dizer que o bacalhau passou a ser os dedos, dada a facilidade de as pessoas utilizarem seus dedos ferinos para estragar suas imagens diante de milhares nos palcos das redes sociais.

Hoje pela manhã me atentei a uma publicação do jovem estudante Mateus Ferreira, que em 2017 foi brutalmente violentado por um policial militar em um dos protestos realizados contra a reforma da previdência no final de abril daquele ano. Não o conhecia, mas fiz parte da sua luta, sofri com amigos meus que o conheciam e me indignei com o Estado e seus defensores da Polícia Militar que em diversas ocasiões já vi exercerem sua torpe e criminosa "autoridade". 
O movimento estava grande e cresceu ainda mais quando todos se encontraram no cruzamento da Av. Goiás com a Anhanguera. 
Mateus Ferreira era um manifestante como eu que foi às ruas acreditando na resistência e na organização da luta popular em defesa da classe trabalhadora e de um país mais justo... já passava do meio dia e evadi do local poucos minutos antes de a Polícia transformar aquele espaço em uma praça de guerra, quando já iniciara o trabalho de dispersão de manifestantes com bombas de gás. A sensação que tenho em todo manifesto é essa: o protesto só dura até quando a Polícia permite... logo passam a fazer cordão de isolamento, a esconder atrás do escudo e fazer os ânimos se exaltarem pelo cerceamento e jogam bombas e atiram com o que dizem ser bala de boracha... como se não fossem capazes de ferir!  
E no meio da multidão que se dispersava das bombas, Mateus, ao correr foi surpreendido pelo insano, raivoso, criminoso cacetete  do capitão Augusto Sampaio (os adjetivos empreguemos a quem se deve). A força do golpe foi tamanha que Mateus ficou onze dias na UTI e precisou fazer cirurgias para reconstituição facial!
À época, assustadoramente, algumas pessoas buscaram justificativas para o ato criminoso do capitão, imputanto ao jovem agredido que quase perdeu a vida uma culpa: ser manifestante e merecer por isso. Estarrecidoramente, haviam pessoas que faziam piadas, celebrando ao cacetete, lamentando que ele tivesse se partido! Enquanto riam disso, um jovem estava na UTI com o crânio fragmentado, uma PESSOA, um SER HUMANO. E mais terrivelmente, alguns tentavam justificar o fato com a alegação de que o manifestante era um vândalo que quebrara vidraças... vidraças... e vejam o bacalhau das bocas ponderando: não se podem quebrar vidraças, mas crânios sim! Era assustador o caso. 
Enquanto vibrações inúmeras eram enviadas a Mateus e o caso recebia certa repercurssão pelo país, aguardávamos uma posição do Estado. O capitão foi então afastado das ruas (não da corporação) designado a trabalhar no administrativo enquanto andavam-se as investigações. A própria Polícia identificou excesso, o Ministério Público, idem, e o capitão passou a ser investigado por lesão corporal gravíssima e abuso de autoridade... e parte da sociedade, não insandecida, ainda lúcida e que não espera ver aplicada no outro toda violência que o ser humano é capaz, aguardava o desfecho do caso e a justiça sendo feita.

Eis então que essa semana Mateus e todos nós que esperávamos por justiça levamos outro golpe. O atual governador do Estado, Ronaldo Caiado, promoveu o Capitão a Major da corporação. A nós ficou clara a mensagem: a polícia está acima da lei e policiais de má conduta são premiados, condecorados sem o mínimo constrangimento. Em alguns comentários acerca do caso em suas redes sociais, Mateus pontuou inclusive que o governador ignora os trâmites para fazer tal promoção, haja vista que policial que enfrenta algum processo, não pode ser promovido. A promoção além de imoral é ilegal, e no Goiás, que parece terra sem lei, centenas de pessoas voltam a atacar Mateus mais uma vez, fazendo seus grotescos, doentios e fascistas comentários.

Em seu grito de indignação, o estudante desabafou nas redes sociais e foi alvo dos ataques ferinos dos donos de bacalhaus nas línguas e nos dedos. Queiram ou não, bacalhau cheira mal. E muito, tal como muita gente que senti nos comentários cheirarem. Estão aprodrecidas, apodrecendo... e pior, entre elas, algumas que conheço ou conheço gente que conhece. Gente que professa uma fé cristã, mas uma fé cristã das vagabundas, sabe? Daquelas que se Cristo chegar de uma vez, capaz nem ele suportar sem fazer a pessoa passar vergonha. 
Me pergunto o motivo pelo qual as pessoas tem a necessidade de atacar quem já passou por um ataque assim... que motivo as pessoas tem para defender o Estado, o governador que concedeu a promoção e para parabenizarem o agora Major sabendo que o que ele fez não é, em tese, o papel da Polícia. Queria entender o motivo pelo qual as pessoas continuam atacando Mateus e fazendo questão, na página dele, de exaltar Sampaio e seu criminoso cacetete! Essas pessoas, hipocritamente são daquelas que muitas vezes falam que o mundo precisa de mais amor, mais de Deus... 
As vezes penso que essa gente tem amor por bandido! Mas um amor seletivo por bandido. Alguns bandidos que escolhem amar e defender, outros que desejam a morte. E numa proporção descabida, uma visão torpe da dimensão dos crimes. Afinal, vangloriam  o criminoso que espatifa o crânio de alguém e execram um que espatifa uma vidraça, pixa um muro ou rouba um vidro de azeitona! 
Não é a primeira vez nem será a última que veremos gente revelar sua podridão pela boca, ou pelos dedos ferinos... Gente tarada que ama mais parede, cacetete ou propriedade do que gente! Gente doente, injusta, gente fascista.




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