sábado, 17 de setembro de 2016

PRECISAMOS FALAR DE PROGRESSO I

A morte do ator Domingos Montagner tem se relevado cabal para algumas pessoas chamarem atenção ao fato tão aclamado por movimentos sociais em relação à construção de usinas hidrelétricas. É lamentável que alguém 'importante' tenha de morrer para que algumas coisas possam vir à tona e, pelo menos para um pouquinho mais de pessoas talvez enxergarem algumas coisas...
Em 2009 conheci parte do São Francisco na região de Bom Jesus da Lapa e me encantei em ver a beleza do rio, mesmo com águas barrentas devido ao período em que fui... na ocasião, participei do Congresso de 30 anos da Pastoral da Juventude do Meio Popular que teve seu encerramento com uma gigantesca Romaria em defesa do Rio São Francisco. Paradas faziam os presentes, congressistas, população da cidade e população ribeirinha a refletir e a denunciar impactos do projeto de transposição do São Francisco bem como da implantação de usinas hidrelétricas!

O fatídico de Montagner levanta a prerrogativa da alteração das correntes, vazão das águas, elevação repentino do nível e do volume de água de regiões próximas à usinas hidrelétricas e claro, causadas por usinas hidrelétricas. Vimos em entrevistas, reportagens de jornais e revistas sobre o caso em que autoridades e ribeirinhos comentavam sobre a periculosidade do trecho onde o ator se banhou. Contudo, cabe pensar: com o doce e convidativo nome de Prainha do Canindé de São Francisco, sempre foi um local de alta periculosidade? Ainda não consegui informações sobre isso. No momento, tudo que se lê sobre o assunto pontua que É trecho perigoso, e não encontrei ainda informação se ANTES da usina, o trecho ERA de tão alta periculosidade. 
Fato é que, diversos meios de comunicação de massa afirmaram após ser encontrado o corpo que o local é muito perigoso e não recomendado para banho "devido à forte correnteza provocada pela vazão da Usina Hidrelétrica de Xingó". 

Não que antes de hidrelétricas ninguém morresse afogado, ninguém fosse arrastado pelas correntes... Contudo, o progresso, a geração de energia, pensado a partir da construção de energia hídrica causou a morte do ator e, dentre outras, pois Montagner não foi a única vítima da região, tampouco correlata à essa única usina. Em buscas pela rede, facilmente identificamos tantas outras vítimas, que não viraram notícias internacionais, mas que perderam a vida, ou estão perdendo-a aos poucos, nas proximidades de usinas hidrelétricas do Rio São Francisco, do Rio Tocantins, do Rio Corumbá, do Rio Paranaíba, do Rio Xingu, entre tantas outras... Xingó, Tucuruí, Furnas, São Simão, Belo Monte, entre tantas outras causam, cultivam diariamente a morte. Quando fala-se da morte de turistas, geralmente as associações em noticiários locais são acrescidas das informações 'próximo à usina onde a água subiu repentinamente, ou, onde as turbinas provocam aumento da correnteza'... Contudo, não são apenas turistas que perdem a vida nesses locais. Potencialmente, perdem a vida menos turistas  do que as populações ribeirinhas locais, do que árvores, peixes, enfim, o ecossistema. E entendam, não estou me "lixando" pelas vidas dos turistas e dos 'importantes', mas levando a reflexão das que se perdem e que não viram notícia... 

Nas proximidades onde Montagner foi encontrado morto, ribeirinhos perderam a vida para a "maré" do Rio São Francisco, que tem o volume de água aumentado de uma hora para outra provocado pela abertura das compotas... perderam a vida para força da correnteza que arrastou seus barcos, meios de garantir o pão de cada dia... perdem a vida tendo de deixar suas casas situadas em locais que serão alagados e viver onde não tem a mínima noção de como sobreviver... também perderam a vida milhares de peixes, que não conseguem nadar contra a fortíssima correnteza na época de piracema... vai perdendo a vida o ecossistema dali... estão perdendo a vida, famílias indígenas que ali vivem e que, com o ecossistema se alterando, perecerão em breve...

Igual modo perdem a vida indígenas, ribeirinhos, militantes e ativistas que são contra a criação de Belo Monte, no Pará ou em outros locais espalhados pelo país... Em leituras sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte choca a naturalização com a qual uma engenheira trata a TROCA DE VIDAS PELO PROGRESSO...

A engenheira Brígida Ramati em entrevista ao G1, datada de 2010, afirma que Belo Monte é necessária para atender a demanda de energia elétrica no país. E a meu ver, justifica que o preço a pagar-se é baixo... "A energia gerada deverá atender a uma área muito mais ampla do que a área de impacto direto pois a energia é um dos insumos mais estratégicos para o crescimento de uma região". O grifo é meu. Para dizer que, em outras palavras, soa: os benefícios satisfarão mais pessoas do que as vidas que irá destruir... é como dizer: se mil serão beneficiados, não importa morrerem dez e alguns peixes... 
Daí alguns podem me questionar: o que fazer?? precisamos de mais energia mesmo... e levo mais uma reflexão: quem precisa?  O progresso, a indústria... A produção precisa para fazer tanto daquilo que faz e nos induzir ao consumo, que demanda maior produção e novo consumo... nosso estilo de vida precisa. É nosso modelo de sociedade que exige que se gere cada vez mais energia para sustentar as luzes acesas, as fábricas funcionando e nossos bens de consumo... nossa vida tão cheia de regalias, confortos e tecnologias que não nos permite ver quem inicial e diretamente já paga o preço por isso.



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